Entre o real e o inventado, “Tijuana” traz para o palco do FILO 2023, nesta quarta (28) e quinta-feira (29), a experiência da precarização e seus impactos econômicos, sociais e emocionais

Pela primeira vez no FILO, o coletivo mexicano Lagartijas Tiradas al Sol traz para Londrina o espetáculo “Tijuana”, parte da série de trabalhos La Democracia en Mexico (1965-1985), que pretende, por meio da focalização de todos os estados do país, abrir o debate sobre o significado desse regime político e suas contradições, incluindo a precarização e seus impactos econômicos, sociais e emocionais.

O que se espera da democracia é uma das questões apresentadas pela experiência do ator e diretor Lázaro Gabino Rodríguez, que, durante seis meses, se transformou em Santiago Ramírez, morador de Tijuana – cidade na fronteira do México com Estados Unidos -, e passou a ganhar um salário mínimo trabalhando em uma fábrica da região. O espetáculo “Tijuana” é então o resultado do processo.

Essa experiência vivencial se transfigura no palco em um jogo de ficção e realidade, borrando as fronteiras entre verdade e invenção por meio de uma dramaturgia que bebe da linguagem documental, mostra suas vísceras e não esconde as engrenagens do processo criativo – tudo isso costurado por diários, fotografias e registros em vídeo.

A equipe de comunicação do FILO conversou com Lázaro Gabino Rodríguez, ator e diretor de “Tijuana”, sobre o espetáculo, o quão próxima a experiência mexicana está da brasileira e o poder do teatro como uma ferramenta de transformação da realidade.

Confira a entrevista completa:

Lázaro, no espetáculo, você afirma que viveu em Tijuana por 6 meses com um salário mínimo. Como essa vivência do real interfere no seu trabalho artístico? 

“Tijuana” se baseia na tensão entre o que eu digo que é uma obra e o que é o espaço teatral… o que é real e o que não é real. E, sobretudo, a obra pretende fazer a pergunta: como se dá um trabalho artístico com algo que aconteceu na realidade? Essa é uma pergunta que eu quero que o público faça ao final do espetáculo.

O que esse jogo entre real e ficcional significa para esse trabalho? Porque na experiência real quem está em jogo é o personagem que você criou, Santiago Ramirez, e no palco quem fala é você…

Santiago é um personagem que eu construí para estar na cidade de Tijuana. Por conta do meu trabalho como ator em filmes e séries, às vezes algumas pessoas me reconhecem. E digamos que eu não poderia me apresentar como eu mesmo para viver essa experiência. Então eu me vesti desse personagem para viver isso. E me pergunto se, nos termos mais simples de atuação, não construímos um personagem exatamente para viver uma experiência…

O que há de  Santiago Ramirez em Lázaro Gabino Rodríguez?

Muitas coisas. Claramente sou eu, somos a mesma pessoa. Mas “Tijuana” também pretende falar sobre a ideia de personagem, alguém que está vivendo uma vida que não é a sua. Mas ao mesmo tempo, quem a está vivendo é a mesma pessoa. Como o caso de espiões na Segunda Guerra, por exemplo, essas pessoas que vivem uma vida “falsa” em outro país por um longo tempo… até que ponto isso deixa de ser sua vida por estar se apresentando com um nome e uma história que não são seus? Creio que a internet de hoje também nos coloca essas questões… que a vida virtual não é a vida – e, cada vez mais, parece que não há separação entre uma coisa e outra.

Como “Tijuana” se encaixa na série de trabalhos La Democracia en Mexico (1965-1985)? Por que a escolha por essa cidade?

Escolhemos Tijuana porque é a cidade que está mais perto da fronteira dos Estados Unidos, ligada à Califórnia, um dos estados mais ricos de um dos países mais ricos do mundo. Na Califórnia, há uma economia muito forte, que está se reinventando ainda mais por conta do Vale do Silício… portanto é um lugar onde o salário mínimo é mais alto. Então há um contraste muito grande entre Tijuana (México) e San Diego (Califórnia), que é a primeira cidade cruzando a fronteira, literalmente a 100 metros de distância.

Há uma música de Caetano Veloso, chamada “Podres poderes”, que diz: “Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos?”. Como latino-americanos, qual é a importância de falarmos de democracia?

Há partes da experiência de como vivemos a democracia na América Latina que são compartilhadas. Claro que cada país tem suas especificidades – e nosso trabalho está em tentar compreender quais são as especificidades das experiências políticas do México a partir do século XX. E isso tem muito a ver com o fato de que no México não vivemos uma ditadura militar, como se viveu em muitos países da América Latina, mas vivemos um governo que durou quase 70 anos, do Partido Revolucionário Institucional, que moldou as instituições e a maneira de fazer política no nosso país. Também ser vizinho dos Estados Unidos marcou, de alguma maneira, as políticas públicas do México – políticas antidrogas, econômicas… Acho que nós compartilhamos muitas outras coisas e creio que Caetano resume muito bem em sua canção.

Você acredita na arte como uma ferramenta de transformação da realidade? Essa é uma das coisas que mobilizam “Tijuana” e os outros trabalhos do coletivo?

Depende do que entendemos como arte como ferramenta para  transformação da realidade… a arte transforma a realidade na mesma medida em que muitas coisas transformam a realidade.  Eu acredito que tudo o que habita a realidade tem o poder de transformar – a religião, a economia, o futebol etc. Mas creio que o teatro é uma ferramenta para gerar trocas políticas na sociedade. O teatro pode mudar a forma como as pessoas veem o mundo, mas a ideia de transformar a realidade tem muito a ver com uma ideia brechtiana de arte, que “não é um espelho para refletir a realidade, mas um martelo para transformá-la”. Não sei se temos a mesma fé que Brecht tinha no teatro como agente transformador social… creio que temos mais dúvidas do que certezas.

 

Layse Barnabé de Moraes
Assessoria de Comunicação FILO

 

Ficha Técnica

Atuação e direção: Lázaro Gabino Rodríguez.
Baseado em textos e ideias de Andrés Solano, Arnoldo Galves Suarez, Martin Caparrós e Gunter Walraff.
Direção-adjunta: Luisa Pardo.
Iluminação e direção técnica: Sergio López Vigueras.
Pintura cênica: Pedro Pizarro.
Desenho de som: Juan Leduc.
Vídeo: Chantal Peñalosa e Carlos Gamboa.
Colaboração artística: Francisco Barreiro.

Classificação indicativa: 14 anos

Duração: 75 min

Espetáculo em espanhol. Legendas em português.

 

“Tijuana” – Lagartijas Tiradas al Sol (México)
Data: 28 e 29 de junho (quarta e quinta-feira)
Horário: 20h30
Local: Cine Teatro Ouro Verde (R. Maranhão, 85)

Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada). Para comprar, clique aqui.

*A bilheteria do Ouro Verde também estará aberta uma hora e meia antes do início do espetáculo.