O diretor e dramaturgo da trilogia Abnegação, Alexandre Dal Farra, foi buscar na investigação e pesquisa elementos para construir as três peças que apresenta a partir de hoje no FILO 2017. Incomodado com a situação política do País, e, principalmente com a ausência de autocrítica por parte da esquerda de forma geral, e mais especificamente com a postura do PT, com o que ele classifica de vitimização, Dal Farra coloca no palco elementos para que o público possa construir sua própria crítica a respeito do que é apresentado de forma explosiva e violenta sobre os recentes acontecimentos na política brasileira. Leia a seguir entrevista concedida por Dal Farra.
FILO – O que a companhia Tablado de Arruar busca provocar com a montagem da trilogia Abnegação?
Alexandre Dal Farra – As peças foram feitas ao longo dos últimos anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder, e tinha muito esse intuito de voltar um olhar crítico para nós mesmos da esquerda. Porque acho importante, agora, evitarmos um discurso que estamos ouvindo de maneira unânime, que coloca a esquerda como vítima. De que não temos nada a ver com isso, que foram forças externas poderosas que nos dizimaram. Isso em parte é verdade, afinal são forças gigantescas que tomaram essas atitudes, mas a esquerda também tem um papel nessa história, que não pode ser deixado de lado. Quando o PT estava no poder, percebo que muitas das posições que se tomavam lá, se fôssemos mais sinceros, veríamos de maneira crítica também.
FILO – O momento que estamos vivendo, com a queda do PT, e a ascensão do PMDB, contribui para essa vitimização da esquerda?
Dal Farra – A história recente é particularmente perigosa, porque é muito traumático o que acabou de acontecer, o golpe. Tendemos a romantizar tudo que é mais recente. É como o fim de uma relação amorosa, que logo após a gente enxerga como se tudo que se viveu na relação fosse maravilho, mas com o tempo tendemos romantizar menos e vemos que não é bem assim. E agora estamos neste momento político. A gente vê nas redes sociais as pessoas exaltando o Lula com o Obama, por exemplo, dizendo que naquela época o Brasil era grande. Tá, é verdade, mas ao mesmo tempo tinha um monte de situações que essa a mesma pessoa que postou na rede, via as coisas de maneira crítica. Por isso acho importante não deixar isso se desfazer, de virar só uma ideologia, de se pensar como a gente estava certo e agora vamos ficar tristes por anos e anos.
FILO – Como foi o trabalho de pesquisa para a construção das peças?
Dal Farra – No caso do Abnegação II a criação teve muito a ver com o material documental a que tivemos acesso, desde notícias da época da morte do Celso Daniel, o inquérito policial e os processos abertos pelo Ministério Público. E como estávamos na pesquisa do Abnegação I, esse material caiu nas nossas mãos, e na mesma época do crime, acabou ocorrendo a morte também do prefeito de Campinas, o Toninho, do PT. Também assistimos a entrevista do irmão do Celso Daniel no programa Roda Viva, e percebemos que havia uma patrulha gigantesca sobre ele, que estava dizendo coisas óbvias sobre o crime, e a própria família havia pedido para que novo inquérito fosse aberto, diante da fragilidade do primeiro, que tinha tantos absurdos. O contanto com esses materiais nos deu uma gastura absurda, que se traduziu um pouco nesta forma altamente explosiva, violenta, destrutiva que a montagem ganhou. Para o Abnegação que veio antes, tínhamos a pesquisa sobre a fundação do PT, com textos e também livros importantes, como o “E Agora PT?”, de 1982, lançado logo após a criação do partido. Esse livro traz textos do grande sociólogo Chico de Oliveira, que logo depois saiu do partido, em que fazia diagnósticos sobre o PT, que se confirmaram totalmente mais tarde. Ele dizia que ao contrário do que se pensa, o partido, que se colocava como esquerda democrática, contrária à ditadura do proletariado, o PT já se mostrava mais stanilista que o pessoal do PCB. O petistas não suportavam críticas internas, e muitos acabaram saindo do partido por isso ou foram relegados a lugares irrelevantes, sem voz nenhuma na sigla.
FILO – Você acha que essa situação mudou após a queda do partido?
Dal Farra – Isso de não aceitar críticas é algo que se mantém ainda hoje. Eles dizem que não é hora de falar do PT, pois têm uma ideia de que criticar é enfraquecer. Mas é uma ideia errada. Pois é justamente o contrário, criticar é fortalecer. Se é um crítica de dentro, que tem um pressuposto, que é o fundamento desse mesmo lugar, que defende a mesma coisa que eles dizem defender, tem que ser escutada, mesmo que depois seja descartada. Mas isso não acontece. Esse é um dos problemas da esquerda brasileira, talvez da esquerda de um modo geral, não estabelecer um lugar de autocritica real.
FILO – E o espetáculo alcança isso? Qual a reação do PT e de pessoas das esquerda?
Dal Farra – Varia muito. Tem um monte de gente que vê e nos diz que é isso mesmo. Depende muito da peça, a Abnegação I, não pega tanto, pois não vai a um ponto tão específico e muitos concordam. Agora em Abnegação II – O Começo do Fim, que é um pouco mais provocativa, que vai direto ao ponto, alguns petista ficam incomodados. Mas tem gente de dentro do PT que acha que é importante esse olhar. Já a parte três, que é um peça mais ampla, não fala de política diretamente, mas da sociedade como um todo, o que resultou dos anos do PT, o incômodo é menor.
Guto Rocha/Assessoria de Comunicação FILO
Ingressos para as apresentações à venda na Bilheteria Central do FILO (Royal Plaza Shopping, terceiro piso), no site do festival (www.filo.art.br) e na portaria do teatro, uma hora antes do início do espetáculo.
Festival Internacional de Londrina – FILO 2017
De 11 a 27 de agosto
Realização: Associação dos Amigos da Educação e Cultura Norte do Paraná e Universidade Estadual de Londrina
Patrocínio: Petrobras, Governo Federal, Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), Caixa Econômica Federal, Unimed.