Filo 2024
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O dedo na ferida da política brasileira

O diretor e dramaturgo da trilogia Abnegação, Alexandre Dal Farra, foi buscar na investigação  e pesquisa elementos para construir  as três peças que apresenta a partir de hoje no FILO 2017. Incomodado com a situação política do País, e, principalmente com a ausência de autocrítica por parte da esquerda de forma geral, e mais especificamente com a postura do PT,  com o que ele classifica de vitimização,  Dal Farra coloca no palco elementos para que o público possa construir sua própria crítica a respeito do que é apresentado de forma explosiva e violenta sobre os recentes acontecimentos na política brasileira.  Leia a seguir entrevista concedida por Dal Farra. 

FILO –  O que a companhia Tablado de Arruar busca provocar com a montagem da trilogia Abnegação?

Alexandre Dal Farra –  As peças foram feitas ao longo dos últimos anos do  Partido dos Trabalhadores (PT) no poder, e tinha muito esse intuito de voltar um olhar crítico para nós mesmos da esquerda.  Porque  acho importante, agora, evitarmos um discurso que estamos ouvindo de maneira unânime,  que coloca a esquerda como vítima. De que não temos nada a ver com isso, que foram forças externas poderosas  que nos dizimaram. Isso  em parte é verdade, afinal são forças gigantescas que tomaram essas atitudes, mas  a esquerda também tem um papel nessa história,  que não pode ser deixado de lado. Quando o PT estava no poder, percebo que muitas das posições que se tomavam lá, se fôssemos  mais sinceros, veríamos de maneira crítica também.

Alexandre Dal Farra. Foto: Milton Dória

FILO – O momento que estamos vivendo, com a queda do PT, e a ascensão do PMDB,  contribui para essa vitimização da esquerda?

Dal Farra – A história recente  é particularmente  perigosa, porque é muito traumático o que acabou de acontecer,  o golpe.  Tendemos a  romantizar tudo que é mais recente. É  como o fim de uma relação amorosa,  que logo após a gente enxerga como se tudo que se viveu  na relação fosse maravilho, mas com o tempo tendemos romantizar menos e vemos que não é bem assim. E agora estamos neste momento político. A gente vê nas redes sociais as pessoas exaltando o Lula com o Obama, por exemplo,  dizendo que  naquela  época o Brasil era grande. Tá, é verdade, mas ao mesmo tempo tinha um monte de situações que essa a mesma pessoa que postou na rede,  via as coisas de maneira crítica. Por isso acho importante não deixar isso se desfazer, de virar só uma ideologia, de se pensar como a gente estava certo e agora vamos ficar tristes por anos e anos.

FILO – Como foi o trabalho de pesquisa para a construção das peças?

Dal Farra –  No caso do Abnegação II a criação teve muito a ver com o material documental a que tivemos acesso, desde notícias da época da morte do Celso Daniel, o inquérito policial e os processos abertos pelo Ministério Público. E como estávamos na pesquisa do Abnegação I, esse material caiu nas nossas mãos, e na mesma época do crime, acabou ocorrendo a morte também do prefeito de Campinas, o Toninho, do PT.   Também assistimos a entrevista do irmão do Celso Daniel no programa Roda Viva, e percebemos que havia uma patrulha gigantesca sobre ele, que estava dizendo coisas óbvias sobre o crime, e a própria família havia pedido para que novo inquérito fosse aberto, diante da fragilidade do primeiro, que tinha tantos absurdos.  O contanto com esses materiais nos deu uma gastura absurda, que se traduziu um  pouco nesta forma altamente explosiva,  violenta, destrutiva que a montagem ganhou.  Para o  Abnegação que veio antes,  tínhamos  a pesquisa sobre a fundação do PT, com textos e também livros importantes, como o “E Agora PT?”, de 1982, lançado logo após a criação do partido. Esse livro traz textos do grande sociólogo Chico de Oliveira, que logo depois saiu do partido, em que fazia diagnósticos sobre o PT, que se confirmaram totalmente mais tarde. Ele dizia que ao contrário do que se pensa, o partido, que se colocava como esquerda democrática, contrária à ditadura do proletariado, o PT  já se mostrava mais stanilista que o pessoal  do PCB. O petistas não suportavam críticas internas, e muitos acabaram saindo do partido por isso ou foram relegados a lugares irrelevantes, sem voz nenhuma na sigla.

FILO – Você acha que essa situação mudou após a queda do partido?

Dal Farra –  Isso de não aceitar críticas é algo que se mantém ainda hoje. Eles dizem que não é hora de falar do PT, pois têm uma ideia de que criticar é enfraquecer.  Mas é uma ideia errada. Pois é justamente o contrário, criticar é fortalecer. Se é um crítica de dentro, que tem um pressuposto, que é o fundamento desse mesmo lugar, que defende a mesma coisa que eles dizem defender, tem que ser escutada, mesmo que depois seja descartada. Mas isso não acontece. Esse é um dos problemas da esquerda brasileira, talvez da esquerda de um modo geral, não estabelecer um lugar de autocritica real.

FILO – E  o espetáculo alcança isso? Qual a reação do PT e de pessoas das esquerda?

Dal Farra – Varia muito. Tem um monte de gente que vê e nos diz que é isso mesmo.  Depende muito da peça, a Abnegação I,  não pega tanto, pois não vai a um ponto tão específico e muitos concordam. Agora em Abnegação II – O Começo do Fim, que é um pouco mais provocativa,  que vai direto ao ponto,  alguns petista ficam incomodados. Mas tem gente de dentro do PT que acha que é importante esse olhar. Já a parte três, que é um peça mais ampla, não fala de política diretamente, mas da sociedade como um todo, o que resultou dos anos do PT, o incômodo é menor.

Guto Rocha/Assessoria de Comunicação FILO

 

Ingressos para as apresentações à venda na Bilheteria Central do FILO (Royal Plaza Shopping, terceiro piso), no site do festival (www.filo.art.br) e na portaria do teatro, uma hora antes do início do espetáculo.

 

Festival Internacional de Londrina – FILO 2017

De 11 a 27 de agosto

Realização: Associação dos Amigos da Educação e Cultura Norte do Paraná e Universidade Estadual de Londrina

Patrocínio: Petrobras, Governo Federal, Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), Caixa Econômica Federal, Unimed.

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