Mavi Veloso apresenta nesta segunda (26) e terça-feira (27) a performance “Traveca Delights”, colagem de sensações, sonhos e música. Os ingressos estão esgotados

Com ingressos esgotados nos primeiros dias de bilheteria aberta, “Traveca Delights” é a performance que a artista e performer brasileira Mavi Veloso apresenta, pela primeira vez no FILO, nesta segunda (26) e terça-feira (27),  na Divisão de Artes Cênicas da Casa de Cultura/UEL.

“Traveca Delights” é uma coprodução Brasil-Holanda – Mavi reside atualmente em Amsterdã -, e tem como referência e homenagem o projeto Jardim das Delícias, de Cláudia Wonder, multiartista travesti e ícone do movimento trans paulistano, que faleceu em 2010. O trabalho de Mavi propõe uma colagem de sensações, sonhos e música, na qual o corpo se torna o receptáculo e o espetáculo para o empoderamento.

A performance traz um afrontamento intimista, delineado por um campo experimental libertador, abrindo percepções e confundindo noções normativas.“O que antes era meu terror, meu medo e insegurança, agora eu faço com orgulho, deleite e doçura. Sem deixar de causar, porque meu corpo vibra. Esse é meu corpo, meu paraíso, meu jardim das delícias”, explica Mavi no material de divulgação.

De volta a Londrina depois de 10 anos, Mavi – que se formou em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) – conversou com a equipe de comunicação do FILO sobre “Traveca Delights” e afirmou a potência de transformar a própria história e o próprio corpo em manifestação artística: “Trazer o nosso íntimo e expor isso de uma maneira verdadeira é também político”.

Confira a entrevista completa:

O nome “traveca” sempre foi usado pejorativamente. Mas você não só o utiliza como o coloca junto com “delight”, que diz sobre delícia, deleite, prazer… Me fala um pouco sobre a escolha desse nome para a performance? 

Essa performance é uma espécie de coleção de outras ações performáticas que eu venho desenvolvendo nos últimos anos, meu jardim de delícias. E é aí que eu conecto com a Cláudia Wonder, uma grande referência para mim nessa ação. Então tentei colecionar as minhas delícias, os meus truques, as minhas feitiçarias… O jardim e as delícias da traveca – eu. Esse termo “traveca” sempre foi usado pejorativamente, mas felizmente temos conseguido tomar esses nomes. A gente se apropria daquilo que antes nos reprimia… o que foi pensado para jogar as pessoas trans para baixo, estamos pegando, transformando na nossa verdade e no nosso deleite. Por isso “Traveca Delights”.

Você diria que a performance é também um posicionamento político?

Trazer o nosso íntimo e expor isso de uma maneira verdadeira é também político. Ser um corpo trans é transgredir muitas coisas e tem toda a complexidade que isso traz. Falar sobre as nossas questões tem muito de política e de militância.

Fale  sobre a Cláudia Wonder e o Jardim das Delícias como sua referência e inspiração? Qual é a importância do trabalho de Cláudia para o seu?

Quando me deparei com a Cláudia Wonder, por meio do documentário Meu amigo Cláudia, eu fiquei chocada. Que mulher era essa? A Cláudia ficou dentro da minha cabeça… e ela virou uma referência para mim, pelo trabalho dela de forma geral, mas também pela militância. Para mim, ela é essa imagem de uma mulher trans muito forte, que atuou na cena underground de São Paulo. Uma deusa trans que fez muita coisa.

“Traveca Delights” se aproxima mais do prazer do que da dor e da violência… Me parece que isso propõe um outro existir para corpos T. (transexuais, travestis, mulheres trans, homens trans e outras pessoas que se identificam com o “T” da sigla LGBTQIAPN+), que não se resume a sofrimento. Como é essa escolha em focalizar e afirmar o “delight” a partir de um corpo T.?

Ao longo dos trabalhos anteriores, eu trouxe mais a questão do trauma, das violências, da rejeição. E nesse momento quis enfatizar mais o poder, a delícia de ser uma mulher trans. “Traveca Delights” é sobre subir, sobre brilhar. Não falar só sobre as dificuldades, mas também sobre as coisas boas.

Como essa performance pretende alcançar outros corpos trans e travestis que podem assistir? O que o público pode esperar de “Traveca Delights”?

Eu espero que tenham muitas pessoas trans e não binárias entre o público! O que eu falo [na performance] vem de um lugar bem pessoal, mas sei que não são questões que só eu vivi e vivo. Espero que a gente esteja junto para questionar. E não só o público trans! “Traveca Delights” lida com a confluência de mídias. É uma coisa bem física, bem corporal. Tem um desdobramento de imagens com um teor intimista, mas também muito confrontador. É sonoro, experimental, com a fisicalidade do corpo, da voz. Experimentar a voz, as imagens, o movimento…

Você se formou em Artes Visuais na UEL… Como você se aproximou da performance?

Eu cresci num ambiente muito conservador, na roça. Mas desde criança eu subia no sofá e ficava cantando, atuando, pegava a roupa da minha mãe… Conforme fui crescendo, fui reprimindo isso por conta do contexto. Mas eu já carregava essa coisa performativa muito cedo e nunca entendi muito a separação entre as várias possibilidades artísticas. E, quando eu entrei em Artes Visuais, não era suficiente para mim só a parte visual. Mesmo quando eu desenhava, tinha uma coisa muito corporal. Eu já tinha esse interesse. Daí fiz muitas aulas nas Artes Cênicas, dança na Funcart, circo e fui tentando cruzar o máximo que pude enquanto estava aqui [em Londrina]. Quando eu me formei em Artes Visuais, já tinha me aproximado muito da coisa performativa. Os artistas que eram referência para mim – Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape – pensavam a proposição artística de um outro jeito que não era só a pessoa olhar, mas exigia uma participação. E é assim que eu vejo o modo artístico. As mídias artísticas são ferramentas para a gente fazer o projeto que deseja – às vezes se aproxima mais das artes visuais, às vezes do teatro, às vezes da música… então vamos transitando. Por isso eu gosto de performance, porque é bem híbrida e múltipla e consegue abranger muitas linguagens dentro de uma.

Como é voltar a Londrina para apresentar sua performance no FILO? Quais são suas expectativas?

Quando eu era estudante, assisti a muitos espetáculos que viraram referências para mim. Depois trabalhei no backstage, montei cenário… E eu ficava me imaginando ali, sabe? Então tem esse frisson e está sendo muito legal reencontrar as pessoas e a cidade, trazendo o que eu estou fazendo hoje. Faz parte de um ritual.

 

Layse Barnabé de Moraes
Assessoria de Comunicação FILO

Ficha Técnica

Concepção e Performance: Mavi Veloso.
Artista de som: João Paes.
Luz: Natália Lima Castro.
Foto: Theodoor Adriaans
Video: Kadir Küçük
Costume designer: Alex Cassimiro

Classificação indicativa: 18 anos
Duração: 35min