A performance ‘Mil litros de preto – A maré está cheia’, de Lucimélia Romão, será apresentada sexta e no sábado, às 11h30, no Calçadão (em frente ao Teatro Ouro Verde), como parte da programação gratuita do FILO

Em Londrina, na primeira experiência na manhã de sexta-feira (30), no Calçadão, a performance “Mil litros de preto – A maré está cheia”  impactou quem passou em frente ao Teatro Ouro Verde. Emocionadas, algumas pessoas permaneceram no local mesmo depois do encerramento da intervenção.

No meio do caminho, uma piscina plástica de 400 litros e, ao seu redor, 60 baldes etiquetados e repletos de líquido vermelho – representando o volume de sangue de pessoas negras assassinadas diariamente pela polícia no Brasil. Durante a apresentação, um áudio – intercalado por sons de sirene e tiros – apresenta dados reais de pessoas negras assassinadas pela polícia no Brasil, enquanto a performer Lucimélia Romão despeja um líquido vermelho na piscina.

O público se aproxima. Emocionada, Vilma Sérgio da Silva, acompanhada da filha Luana Reis, resume: “É chocante ver isso. Não sei nem ao certo o que falar, mas o trabalho faz a gente refletir sobre essa triste realidade”. O motorista de maquinário Milton José da Silva Alves se disse impressionado: “Isso é um reflexo da ignorância do nosso país. Ouvi meu (primeiro) nome no áudio. Poderia ser eu uma dessas pessoas”, lamenta.

Reflexões como essas de espectadores do FILO surgem no decorrer da intervenção artística, que será reapresentada neste sábado (1), às 11h30, no Calçadão. Mais tarde, às 16 horas, no Sesc Cadeião, Lucimélia Romão participa de bate-papo aberto ao público.

Genocídio de jovens negros

Foi durante a graduação em artes cênicas que a artista visual e performer Lucimélia Romão, de São Félix (BA),  se deu conta de que o assassinato de pessoas negras, pobres e/ou periféricas, era sistêmico no Brasil. “Sou negra, de origem pobre, mas só na vida adulta entendi essa temática da violência. Na minha casa não havia espaço para falar sobre isso e, embora eu e os meus irmãos tenhamos sofrido algumas situações de racismo, não era algo que entendíamos como estrutural”. 

Nesse contexto, Lucimélia Romão busca,  por meio do seu trabalho artístico, chamar a atenção para a triste estatística de que a cada 23 minutos uma pessoa é assassinada no país, sendo a maioria de pretos e pardos. As informações são referentes ao último levantamento do Mapa da Violência, publicado em 2022, a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde. 

Quem passar no Calçadão durante a intervenção artística irá se deparar com uma piscina plástica de 400 litros e 60 baldes com um líquido vermelho representando o sangue de pessoas negras assassinadas diariamente. Cada balde contém 7 litros de “sangue”, quantidade média do líquido vital em um corpo.  Em silêncio, a artista enche a piscina. Cada balde é etiquetado com informações reais de pessoas assassinadas – dados que a artista coleta em fontes jornalísticas. 

“Por meio da arte contemporânea tento chamar a atenção das pessoas para o genocídio diário das pessoas negras. Sou de origem humilde, morei em um bairro pobre, mas que por ter muitas pessoas brancas não era ‘alvo’ da polícia. Fui me deparar com essa consciência na faculdade, durante uma pesquisa de iniciação científica, quando tive acesso a livros como ‘O genocídio do negro brasileiro’, de Abdias do Nascimento, e ‘Racismo Estrutural’, de Silvio Almeida”, conta a artista, que na época trabalhava como artista de rua, tocando sanfona em um semáforo.

“Foi uma tomada de consciência até mesmo de me deparar com a minha vulnerabilidade social. Tive que me organizar para quebrar a tendência familiar de trabalhar em atividades precárias e criar estratégias para deixar de ser artista de rua e me dedicar à minha formação de atriz. A partir disso, concebi a performance e consegui ser aprovada em um edital de artes visuais”, relembra. Em sua pesquisa, a artista ainda questiona o fato de que as leis têm sido criadas, desde o Brasil Colônia, para reiterar a negação dos direitos da população negra. 

 

Ana Paula Nascimento
Assessoria de Comunicação FILO 

Ficha Técnica:

Performer: Lucimélia Romão.
Operadora de som: Rillare Bento.

 

Foto: Fabio Alcover/FILO

 

Atualizada em 1/7/2023