O festival da resistência. Talvez esta seja a característica mais marcante do Festival Internacional de Londrina ao longo de sua história, e de maneira contundente nesta 48ª edição.  Em 17 dias, o FILO 2016 provocou sensações e despertou reflexões sobre o momento que o País atravessa, que reverberaram pela, ultrapassando fronteiras mundo afora.

A diversidade de linguagens possibilitou revisões de conceitos e preconceitos em seus mais variados níveis de significação. Teatro, dança, música expressaram a dor da violência contra a mulher, colocaram em foco a questão do gênero negada por tantos, mas presente na vida de todos. Nos palcos, também tocaram em temas tabus, como os horrores provocados pela transfobia, e na necessidade de se falar em tristezas ou inconformismos que levam tantos ao suicídio.

Este assunto delicado, e muitas vezes omitido por quem se confronta com ele, foi abordado de maneira poética e tocante pelo ator Matheus Nachtergaele em sua oração profana dedicada à mãe que ele não conheceu. “Processo de Conscerto do Desejo”, espetáculo de abertura do FILO 2016, emocionou a plateia do Teatro Marista nas duas noites de apresentação com casa cheia. Os espanhóis da companhia Titzina Teatro também abordaram o tema na montagem “Distancia Siete Minutos”, apontando de maneira sensível as razões profundas por trás da angústia diante da eterna busca do homem pela felicidade.

A polêmica provocada pela participação do espetáculo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, da Queen Jesus Play, de São Paulo, só reafirmou o quanto a transfobia e a intolerância a tudo que é diferente do padrão estabelecido pela sociedade precisam ser debatidas. O espetáculo, que teve estreia nacional no FILO 2016, trouxe um Jesus transexual que vive, sente e aponta em seus ensinamentos a necessidade de revisarmos o sentido da lição que ele nos ensinou há mais de dois mil anos: o amor ao próximo – ou, no mínimo, o respeito.

A Cia Livre, de São Paulo, também colocou em cena a discussão sobre gênero no espetáculo “Maria que Virou Jonas ou a Força da Imaginação”, que leva o público a participar da escolha de quem interpretará o papel masculino e o feminino na trama em que um dos personagens muda de sexo.

A violência contra a mulher permeou o festival em vários momentos no palco, como em “O Açougueiro”, do ator pernambucano Alexandre Guimarães. Um espetáculo sobre amor e intolerância, que se passa no sertão nordestino, onde a sociedade não aceita que um homem se apaixone e se case com a prostituta da cidade. O diretor argentino Pablo Rotemberg, com seu balé contemporâneo “La Wagner”, desnuda, com a potência de quatro bailarinas nuas em cena, a violência contra a mulher sob os aspectos ideológico, social e, sobretudo, físico do universo feminino.

O público do FILO 2016 também teve uma amostra do que a Europa vem produzindo em dança contemporânea. A espanhola Cielo Raso, do coreógrafo Igor Calonge, apresentou “Tormenta”, em que os corpos dos bailarinos transcendem à palavra para expressar o eterno conflito entre a força e a debilidade da natureza humana. O bailarino e coreógrafo francês Fabrice Lambert (l’Expérience Harmaat) chegou a Londrina com o solo “Nervures”, espetáculo integrante do FranceDanse Brasil 2016, sobre as emoções causadas pelas percepções da paisagem ao redor.

Um panorama da crise institucional, econômica e social que abala nossos dias pôde ser visto pelo público do FILO 2016 no potente espetáculo “Caranguejo Overdrive”, da Aquela Cia de Teatro, do Rio de Janeiro. Ao mesclar fatos históricos como a Guerra do Paraguai, as transformações urbanísticas da capital carioca e os eternos jogos do interesse econômico, a montagem escancara o lamaçal que insiste em inundar os porões do poder.

O Festival também se manteve na busca pela formação de público, começando com os espetáculos infantis, que agradam pessoas de todas as idades. O coletivo Eranos Círculo de Arte, de Itajaí (SC), trouxe “#Mergulho – Experiência Teatral para Crianças”, voltada para os pequenos com idade entre um e seis anos. A Cia Cênica Nau de Ícaros, de São Paulo, encantou a plateia com o divertido “A.N.J.O.S”, um espetáculo multimídia que reafirma a importância do brincar. A música do grupo Mawaca, de São Paulo, levou a garotada e os adultos a uma viagem por diferentes culturas ao redor do planeta com o espetáculo “Pelo Mundo com Mawaca”. A magia do teatro de bonecos foi outra grande atração do FILO 2016, com a montagem “O Velho da Horta”, que a Cia PeQuod, do Rio de Janeiro, apresentou no encerramento do festival.

O teatro de objetos e de animação foram bem representados nesta edição do FILO pela Tato Criação Cênica, de Curitiba, que lotou o Teatro Zaqueu de Melo e encantou a plateia nas apresentações de “Tropeço” e “Entre Janelas”, e pelo ator Rudnei Morales, de Porto Alegre (RS), que conquistou os espectadores do FILO tanto na rua quanto em sala fechada. Ele apresentou “O Teatro de Caixa” na Primeiro de Maio/Concha Acústica, atraindo crianças e adultos para conhecer as histórias de Valentin e seu pequeno teatro de animação. Morales também trouxe a Londrina o tocante espetáculo “Brechó da Humanidade”, em que conta um pouco da história de Hanna Arendt e os horrores de um mundo que vive a “banalização do mal”.

E o FILO 2016 proporcionou várias outras atrações, que trouxeram debates importantes e também divertimento ao público. Foram 33 espetáculos e 64 apresentações em mais de duas semanas de intensa programação.

Guto Rocha – FILO 2106