ENTREVISTA COM A ATRIZ ALICE GUIMARÃES
Em livre adaptação da obra de Shakespeare, Teatro de Los Andes propõe reflexão crítica sobre a realidade dos povos andinos e do fazer teatral
O teatro como provocador de reflexões críticas sobre o momento político-social e também sobre o próprio fazer teatral. Esta é a proposta do grupo Teatro de Los Andes, da Bolívia, com a livre adaptação de “Hamlet”, de Shakespeare. “Hamlet de Los Andes”, que integra a programação internacional do FILO 2015, busca traçar um paralelo entre as questões que atormentavam o príncipe da Dinamarca, criado pelo bardo inglês, com a realidade da Bolívia. A montagem, que estreou no domingo (16), será reapresentada hoje (17) e amanhã (18), às 20 horas, na Divisão de Artes Cênicas da UEL (Av. Celso Garcia Cid, 205).
A atriz brasileira Alice Guimarães conta que o espetáculo surgiu em 2011, quando o Teatro de Los Andes começou a trabalhar, despretensiosamente, o texto de Shakespeare em uma oficina ministrada pelo diretor boliviano Diego Aramburo, convidado para dirigir um novo trabalho do grupo. O que era inicialmente um exercício transformou-se em matéria-prima para a construção do espetáculo. “Percebemos que o texto tinha tudo a ver com o momento que vivíamos e que gostaríamos de abordar em uma peça. Desde a ascensão de Evo Morales, um presidente indígena, a Bolívia estava num processo de transformação profunda na vida política, ideológica, econômica e social”, comenta a atriz, que vive há 17 anos no país vizinho.
Alice diz que, assim como em “Hamlet”, em que Shakespeare retrata uma sociedade que está em uma transição entre o período Medieval e a era moderna, a Bolívia também vive este mesmo paradoxo de maneira muito acentuada. “Ao mesmo tempo em que o país preserva um pensamento ancestral, cultiva tradições e idiomas nativos cotidianamente, também há toda a questão da globalização, da internet e tudo que isso implica”, analisa. Estas contradições temporais podem ser percebidas na música executada ao vivo, que mistura instrumentos tradicionais dos povos andinos com o som do baixo elétrico, bem como no uso do idioma espanhol e da língua nativa – o quéchua – e o uso de roupas multicoloridas características da região.
A atriz conta que o texto original teve de passar por grandes adaptações para se adequar à realidade do grupo. “Somos apenas três atores para fazer uma peça com muitos personagens. Mas, mesmo com as adaptações, preservamos a fábula contida no texto original”, salienta. No entanto, o Hamlet criado pelo grupo é um homem contemporâneo que, assim como o original, perdeu a compreensão de si mesmo após a morte do pai. E apesar de sua formação acadêmica, que inicialmente o faz desacreditar no espírito que o persegue, o personagem se deixa guiar pelo fantasma e a enfrentar outra concepção da realidade, que o coloca diante de seus ancestrais e de suas raízes.
Estes questionamentos, sobre o ser ou não ser, acabam por romper os limites do personagem e atingem os próprios atores em cena, em um jogo metateatral. “Existe algo muito ligado à nossa história pessoal e também do próprio grupo. Pois, durante 20 anos, tivemos um único diretor (Cesar Brie), que de repente foi embora. Foi como a morte de nosso pai, assim como em Hamlet. E isso nos provocou uma série de questionamentos sobre quem somos? O que é ser ator na Bolívia? O teatro poético já não nos cabe mais, e deveremos partir para um teatro popular para podermos sobreviver?”, ilustra.
UMA HISTÓRIA COM O FILO
A atriz Alice Guimarães, do grupo boliviano Teatro de Los Andes, tem uma relação antiga com o Festival de Londrina, anterior à própria companhia a qual pertence. Natural de Porto Alegre (RS), onde ser formou em Artes Cênicas, Alice esteve no Festival em 1991, quando ainda era estudante. “Vim fazer uma oficina com o Eugenio Barba e acompanhar as apresentações do Odin Teatret”, conta. No ano seguinte, 1992, Alice retornou ao FILO, quando pode ver Kazuo Ohno. “Isso me marcou para sempre”, afirma.
Em 1993, a atriz retornou para participar de uma oficina com a atriz Iben Nagel Rasmussen, do Odin Teatret, e um ano depois estava de volta a Londrina para participar do ISTA (Escola Internacional de Antropologia Teatral). “Eu conheci o Teatro de Los Andes por meio da Iben, que era casada com o antigo diretor do grupo, Cesar Brie”, relembra. Mas somente em 1997 ela conheceu o grupo de fato, quando participou de uma oficina. Um ano depois, estava de volta à Bolívia para fazer uma residência com o Teatro de Los Andes. Tornou-se integrante do grupo e esteve por duas vezes no FILO com os espetáculos “Las Abarcas del Tiempo” e “En un sol amarillo. Memorias de un temblor”
Alice Guimarães com os integrantes do Teatro de Los Andes (Foto: Fábio Alcover/Fotografia FILO) | Hamlet de Los Andes: estreia com casa cheia no FILO 2015 (Foto: Milton Dória/Fotografia FILO) |
Ficha técnica
Hamlet, de Los Andes – Livre adaptação “Hamlet”, de William Shakespeare
Criação e encenação: Teatro de Los Andes
Elenco: Lucas Achirico, Gonzalo Callejas, Alice Guimaraes
Execução musical: Helder Rivera
Texto: Diego Aramburo
Direção coletiva: Diego Aramburo e Teatro de Los Andes
Assistente de direção e dramaturgia: Giulia D’Amico
Idealização e realização cenográfica: Gonzalo Callejas
Desenho de luz: Gonzalo Callejas e Lucas Achirico
Figurino: Alice Guimaraes, Danuta Zarzyka
Direção musical: Lucas Achirico
Produção: Teatro de Los Andes
Coordenação geral: Giampaolo Nalli
Fotografia: V. Saldivar
Serviço:
Hamlet de Los Andes
Teatro de Los Andes (Bolívia)
Dias 15, 16 e 17 de agosto – 20 horas
Divisão de Artes Cênicas – Casa de Cultura da UEL (Av. Celso Garcia Cid, 205)
Drama
Classificação indicativa: Adulto
Duração: 90 minutos
Festival Internacional de Londrina – FILO 2015 – De 14 a 30 de agosto
Promoção: Associação dos Amigos da Educação e Cultura Norte do Paraná e Universidade Estadual de Londrina
Direção: Luiz Bertipaglia
Patrocínio: Petrobras, Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), Caixa Econômica Federal, Copel/Governo do Estado do Paraná, Unimed Londrina, Horizon – John Deere e Ministério da Cultura / Governo Federal /Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Apoio: SESI Londrina, Royal Plaza Shopping, W2 Digital, Bar Valentino, Fecomércio PR/SESC, M&M Brasil, UEL FM, Doce Sabor, RPC, Fundação Cultural de Ibiporã, Itamaraty e Geleia Mob APP.
Realização: Ministério da Cultura / Governo Federal